viernes, 13 de febrero de 2009

Reúso de Água nas Edificações

Autor: Prof. Dr. Daniel Sant’Ana

Contato: arq.santana@gmail.com

Introdução

Precisamos reconhecer o fato de que muitas de nossas ações têm sido inadequadas no manejo dos recursos hídricos; na medida em que a população mundial cresce, aumenta a demanda por água potável, o que agrava a situação para as futuras gerações. Por outro lado, a contaminação de rios, lagos, águas subterrâneas e outros corpos d’água também afeta quantitativamente a disponibilidade da água de boa qualidade para o consumo humano. Desta forma, a disponibilidade hídrica começa a ser uma crescente preocupação em muitos países, onde a demanda por água aumenta de maneira alarmante, enquanto mudanças climáticas reduzem a oferta de água doce que está sendo consumida e esgotada de maneira insustentável.

Torna-se, portanto, necessária a utilização de práticas sustentáveis e de conservação de água nas edificações. Na busca de um desenvolvimento urbano mais sustentável e da preservação dos recursos hídricos naturais, práticas descentralizadas de conservação de água nas edificações podem contribuir para a redução do consumo de água potável, através do uso de fontes alternativas de águas menos nobres para reúso não-potável. Apesar das tecnologias descentralizadas para o reúso de água existirem desde a década de 70, o reúso de água ainda é uma prática pouco utilizada nos edifícios brasileiros. Porém, com a crescente preocupação com os recursos hídricos, a aceitação destes sistemas começa a tomar forma e novas tecnologias começam a surgir no mercado brasileiro.

Sistemas de Reúso de Água

Em geral, os sistemas de reúso de água realizam o tratamento de águas menos nobres para seu reaproveitamento para fins não-potáveis, tais como irrigação, lavagem e limpeza e descarga sanitária. Vários estudos demonstram que a aplicação de sistemas de reúso de água em edificações pode reduzir efetivamente o consumo de água potável.

Existem diversos aspectos comuns na composição dos sistemas de reúso de água (Figura 1). Fontes alternativas de água, como por exemplo, águas pluviais, águas cinzas ou águas residuárias, são coletadas por uma rede coletora de tubulações usada no seu transporte para tratamento e retenção. O nível de tratamento da água para reúso, seja ele biológico, químico, ou físico, varia de acordo com a qualidade inicial da água e sua qualidade final desejada. Depois de tratada, a água de reúso pode ser armazenada em um reservatório de retenção, cujo dimensionamento é função do seu tempo de armazenamento e da sua oferta e demanda. Uma bomba de recalque transporta esta água armazenada para um reservatório de distribuição conectado à rede de água potável da concessionária, caso haja a necessidade de uma alimentação de água potável e, sem que haja conexões cruzadas com a rede de água potável, uma rede distribuidora transporta água de reúso para pontos de usos não-potáveis.

Existe uma carência de normas e diretrizes no Brasil na definição dos parâmetros para instalações hidráulicas de sistemas de reúso. Porém, experiências internacionais apontam a necessidade de diferenciar as tubulações de água não-potável das tubulações de água potável por cor ou ilustrações e fornecer um aviso visual da água imprópria para consumo nos pontos de consumo não-potáveis.

Figura 1: Composição de sistemas de reúso

Aproveitamento das Águas Pluviais

Sistemas de aproveitamento de água pluvial podem ser classificados de acordo com seu tipo de reúso e nível de tratamento: (i) reúso não-potável direto, (ii) reúso não-potável tratado, ou (iii) reúso potável [8]. O reúso não-potável direto é bastante comum em diversos países europeus, onde o uso de pequenos tonéis, adaptados aos condutores verticais das residências, são usados para o armazenamento da água de chuva não-tratada. Devido ao alto potencial de contaminação por micro-organismos patogênicos, essa água limita-se à irrigação e lavagem de pisos ou carros. O reúso não-potável tratado da água de chuva nas edificações pode ser utilizado na irrigação, lavagem de roupa, limpeza externa e nas descargas sanitárias. A aceitação de sistemas AAP para reúso não-potável tratado tem crescido nesses últimos anos por ser uma solução simples para a redução do consumo doméstico de água potável. Sistemas AAP para reúso potável por outro lado, requerem um alto nível de tratamento através de sua desinfecção e exigem um monitoramento constante através de uma unidade de controle que corta o abastecimento da água de chuva ou alerta o usuário caso haja defeito no sistema. Apesar dos sistemas AAP potáveis exigirem um investimento inicial alto, seu potencial de economia é elevado [9].

Figura 2. Composição genérica de um sistema de aproveitamento de águas pluviais.

Reciclagem das Águas Cinzas

Água cinza é todo esgoto secundário proveniente dos lavatórios, chuveiros, tanque e máquina de lavar roupa. Sistemas de reciclagem das águas cinzas também podem ser classificados de acordo com o nível de tratamento e seu tipo de reúso: (i) reúso não-potável direto e (ii) reúso não-potável tratado. O reúso não-potável direto limita-se apenas à irrigação subterrânea de jardins, ou lavagem de pisos. A coleta de águas cinzas provenientes do tanque ou máquina de lavar em baldes ou bacias para reúso na lavagem de pisos não é incomum no Brasil. Existem também sistemas simples de reúso direto das águas cinzas exclusivamente direcionados para irrigação sub-superficial. Esse tipo de reúso exige que as águas cinzas sejam utilizadas no momento em que são produzidas e que não sejam armazenadas por mais de um dia. Dependendo do sistema RAC, o reúso não-potável tratado das águas cinzas pode ser utilizado na irrigação, lavagem e limpeza e nas descargas sanitárias das edificações.

Figura 3. Composição de genérica de um sistema de reciclagem de águas cinzas.

Recuperação das Águas Residuárias

Existem dois tipos básicos de sistemas descentralizados de recuperação de águas residuárias para reúso em edificações: (i) leitos cultivados e (ii) micro-estações de tratamento. Leitos cultivados (“constructed wetlands” ou “reedbeds”) são sistemas naturais de tratamento de águas residuárias. Além de promover a biodiversidade local, estes ambientes naturais construídos fazem uso de vegetação aquática para o tratamento aeróbio do esgoto doméstico. O substrato e o alto nível de oxigênio encontrado nas raízes das plantas aquáticas proporcionam um ambiente ideal para a proliferação de microorganismos aeróbios que decompõem as impurezas das águas residuárias, permitindo a absorção dos nutrientes de substancias tóxicas pela vegetação. Para adquirir padrões de reúso não-potável, esse sistema natural requer um tratamento primário anaeróbio antes de o esgoto afluir no leito e fornecer desinfecção ao afluente tratado. Micro-estações de tratamento por outro lado, são produtos comercialmente disponíveis em modulações ou compactos e são ideais em ambientes urbanos com pouco espaço. Em geral, as micro-estações oferecem tratamento primário, secundário e terciário das águas residuárias proporcionando um nível de tratamento adequado para reúso não-potável em descargas sanitárias, irrigação e lavagem de pisos ou carros.

Figura 3. Composição de genérica de um sistema de recuperação de águas residuárias.



Conclusão

Grande parte dos estudos realizados sobre o tratamento de águas residuárias enfatiza o uso de grandes estações de tratamento de esgoto (ETE) e o reúso não-potável agrícola, industrial e recreacional. Na literatura, há uma carência de pesquisas sobre sistemas de reúso descentralizados para sua aplicação nas edificações para o reúso doméstico. Este artigo aborda estratégias conservadoras de água descentralizadas através do reaproveitamento de fontes alternativas de água menos nobre nas edificações. Por outro lado, tendo em vista a crescente aplicação de sistemas de reúso nos edifícios pelo país, deixa clara a necessidade de definição, pelo setor público, de normas e diretrizes de instalações hidráulicas que esclareçam os parâmetros necessários dos sistemas de reúso. É também interessante destacar que uma gestão descentralizada dos recursos hídricos pode promover a redução no consumo predial de água potável, o que seria extremamente necessário para enfrentar uma possível escassez de água no contexto brasileiro.

Referências

FANE, S.; REARDON, C. Wastewater re-use. Technical manual: Design lifestyle and the future. A joint initiative of the Australian Government and the design and construction industries. Australia. 2005.

LEGGET, D.; BROWN R., et al. Rainwater and greywater use in buildings: best practice guidance. London: CIRIA. 2001.

SANT’ANA, D.; AMORIM, C.N.D. Reúso de água nas edificações: premissas e perspectivas para o contexto brasileiro. Sistemas Prediais, São Paulo, v.1, n.2, p.32-37, set./out. 2007.

SAUTCHUK, C.; et al. Conservação e reúso da água em edificações. São Paulo: Prol Editora Gráfica. p.53-57; p.77-78. 2005.